PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE:
FUNÇÃO E MISSÃO DO DIREITO PENAL
PRINCIPLE OF THE PROHIBITION OF POOR PROTECTION: FUNCTION
AND MISSION OF CRIMINAL LAW
Roberto da Freiria Estevão1
Doutor em Ciências Sociais (UNESP, Marília/SP, Brasil)
Cleudemir Malheiros Brito Filho2
Mestre em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM, Marília/SP, Brasil)
1 Integrante e líder do grupo de pesquisa “Difunde” (Direitos Fundamentais, Democracia e Exceção)
no UNIVEM. Professor Titular do Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM –, Cursos de
Graduação e Mestrado em Direito. E-mail: roberto_freiria@terra.com.br. Currículo: http://lattes.cnpq.
br/4733327632656696. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6821-8688.
2 Especialização em Direito Penal e Processual pela EPD. Especialização em Direito Constitucional
e Direito Eleitoral pela FDRP (USP). E-mail : britof1@yahoo.com.br. Currículo: http://lattes.cnpq.
br/2429765581123191. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0076-9245.
ÁREA(S): direito constitucional; direito
penal.
RESUMO: O princípio da proibição
da proteção deficiente nasce das ideias
difundidas após a implementação do
Estado Social, em contraposição às
ideias e princípios dominantes no seu
antecessor Estado Liberal, decorrendo
de uma leitura pós-positivista do
Texto Constitucional. Para além da
noção de que os direitos fundamentais
deveriam proteger tão somente o
homem dos ataques do Estado, com o
redimensionamento das funções deste
e as novas tarefas por ele assumidas,
mormente na garantia de condições
materiais básicas à população e
o surgimento de novos direitos
fundamentais de caráter prestacional,
especialmente os de segunda geração,
tem-se que o Estado, ao enunciar um
direito fundamental, deve não somente
se abster de violá-lo, como também
protegê-lo da ameaça de ataques
de terceiros, além de fomentá-lo. É
precisamente do dever de proteção
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Doutrina Nacional
que se extrai o princípio da proibição da proteção deficiente, conduzindo à análise
da verificação de eventual inconstitucionalidade na omissão estatal em proteger
determinado direito, ou mesmo em decorrência da insuficiente medida de proteção
adotada, passíveis, portanto, de correção.
ABSTRACT: The principle of the prohibition of deficient protection arises from ideas
disseminated after the implementation of the Social State, as opposed to the dominant ideas
and principles in its predecessor Liberal State, resulting from a post-positivist reading of
the Constitutional Text. In addition to the notion that fundamental rights should protect
only man from the attacks of the State, by reshaping his functions and the new tasks he has
undertaken, especially in guaranteeing basic material conditions for the population and the
emergence of new fundamental rights especially in the case of the second generation, the
State, when enunciating a fundamental right, must not only refrain from violating it, but
also protect it from the threat of attacks by third parties, as well as fomenting it. It is precisely
from the duty of protection that the principle of the prohibition of deficient protection is
extracted, leading to the analysis of the verification of possible unconstitutionality in the
State’s omission to protect certain right, or even due to the inadequate measure of protection
adopted, therefore.
PALAVRAS-CHAVE: proteção deficiente; princípio; constituição federal; direito
penal; função.
KEYWORDS: poor protection; principle; federal constitution; criminal law; function.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Função e missão do direito penal; 2 O princípio da
proporcionalidade no direito penal; 3 Princípio da proibição da proteção deficiente;
Conclusão; Referências.
SUMMARY: Introduction; 1 Role and mission of criminal law; 2 The principle of
proportionality in criminal law; 3 Principle of prohibition of disability protection; Conclusion;
References.
INTRODUÇÃO
A
tenta às particularidades das normas constitucionais, a doutrina
lhes flagrou uma classificação, que é de considerável valia para
o processo da interpretação constitucional. Consideradas em
conjunto, as normas constitucionais são vistas como a pertencer a um sistema
normativo, que lhes imprime certa ordem de propósitos e que configura um
todo tendencialmente coeso, que se pretende harmônico. Observou-se, porém,
que, estruturalmente, essas normas podiam ser enquadradas em dois tipos
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PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROteÇÃO...309
normativos, que atraem perspectivas também distintas de solução de problemas
de aplicação das normas.
Advém da doutrina uma moderna classificação das normas, que a separa
em regras e princípios.
Em geral, tanto a regra como o princípio são vistos como espécies de
normas, uma vez que ambos descrevem algo que deve ser. Ambos se valem de
categorias deontológicas comuns às normas – o mandado (determina-se algo), a
permissão (faculta-se algo) e a proibição (veda-se algo).
Quando se trata de impor regras e princípios, porém, é bastante frequente
o emprego do critério da generalidade ou da abstração. Os princípios seriam
aquelas normas com teor mais largo do que as regras. Próximo a esse critério,
por vezes se fala também que a distinção se ajustaria no grau de determinação
dos casos de aplicação da norma. Os princípios corresponderiam às normas que
carecem de mediações materializadoras por parte do legislador, do juiz ou da
Administração. Já as regras seriam as normas suscetíveis de aplicação imediata.
De toda sorte, as tentativas efetuadas de distinguir regras e princípios
chocam-se, às vezes, com o ceticismo dos que veem na pluralidade de normas
um obstáculo para que se possa, com segurança, situar uma norma em uma ou
outra classe.
Nesse diapasão, o direito penal apresenta-se, por um lado, como um
conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações
de natureza penal e suas sanções correspondentes. Por outro lado, apresenta-se
como um conjunto de valorações e princípios que orientam a própria aplicação
e interpretação das normas penais. Esse conjunto de normas, valorações e
princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a
convivência humana, ganhando aplicação prática nos casos ocorrentes, sob a
égide de rigorosos princípios de justiça.
Feitas essas observações, cumpre registrar que, hodiernamente, sustenta-
-se que a criminalidade é um fenômeno social normal. Emile Durkheim 3 afirma
que o crime não ocorre somente na maioria das sociedades de uma ou outra
espécie, mas sim em todas as sociedades constituídas pelo ser humano. Assim,
para a autora, o crime não só é um fenômeno social normal como também
3 DURKHEIM, Emile. Las reglas del método sociológico. Trad. de L. V. Echavarría. Barcelona/Espanha:
Morata, 1985. p. 83; 2001. p. 83; 2007. p. 41.
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Doutrina Nacional
cumpre outra função significativa, qual seja, a de manter aberto o canal de
transformações de que a sociedade precisa.
Quando as violações aos direitos e interesses do indivíduo assumem
determinadas proporções, e os demais ramos de controle social mostram-se
incapazes para harmonizar o convívio social, surge o direito penal, com sua
natureza específica de meio de controle social formalizado, com o objetivo de
resolver conflitos produzidos pela desinteligência dos homens.
Destarte, não obstante o direito penal seja a razão última (ultima ratio), sua
função é extremamente importante e indispensável na vida em sociedade.
Autor e vítima representam a realidade com que o direito penal tem
que agir. Eles são os atores no caso jurídico-penal. O conflito de divergências
que o sistema jurídico-penal deve produzir ou solucionar com auxílio de seus
instrumentos origina-se entre pessoas. Estas pessoas desempenham um papel
no caso jurídico penal – o papel de causador da lesão e o papel de lesado –,
correspondentes às posições do autor e da vítima.
1 FUNÇÃO E MISSÃO DO DIREITO PENAL
A vida em sociedade é complexa e exige de todos a retidão a um conjunto
de regras de comportamento. O homem não é totalmente livre para fazer o
que bem quiser, pois vive sob o prisma de normas de conduta, criadas por ele
mesmo, por meio do Estado, que ele também instituiu4 .
As normas jurídicas são comandos a serem obedecidos por todos os
homens, pois delimitam o que é – e o que não é – lícito fazer, o permitido e o
proibido, o certo e o errado5 .
Ao conjunto das normas jurídicas que tratam dos crimes e das sanções
penais dá-se o nome de direito penal.
O direito penal era, antigamente, denominado direito criminal, expressão
talvez mais apropriada, por mais ampla e que ainda hoje se encontra incrustada
em muitas das instituições atinentes: advogado criminalista, vara criminal,
câmara criminal etc.6 .
4 MOURA, Ney Teles. Direito penal. Parte geral. Arts. 1º a 120. São Paulo: Atlas, v. I, 2002. p. 51.
5 MOURA, Ney Teles. Direito penal. Parte geral. Arts. 1º a 120. São Paulo: Atlas, v. I, 2002. p. 51.
6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 19. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2013. p. 56.
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PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROteÇÃO...311
Segundo Cleber Masson 7, define-se o direito penal como “o conjunto das
prescrições emanadas do Estado, que ligam ao crime, como fato, a pena como
consequência”.
Nesse sentido, o direito penal é, efetivamente, a parte do ordenamento
jurídico que trata do crime e das penas e das medidas de segurança, mas uma
nota da mais alta importância que exsurge do ordenamento jurídico penal fica
esquecida em todas as definições transcritas: a liberdade do indivíduo que
pode ser coarctada pela incidência das normas penais, mas que, igualmente, é
protegida por elas, à medida que só pode ser abolida nos estritos limites da lei8
.
Comoinstrumentodecontrolesocialformalizado,exercido sob o monopólio
do Estado, a persecutio criminis somente pode ser legitimamente desempenhada
de acordo com normas preestabelecidas, legisladas de acordo com as regras
de um sistema democrático. Por esse motivo, os bens protegidos pelo direito
penal não interessam ao indivíduo, exclusivamente, mas à coletividade como
um todo. A relação existente entre o autor de um crime e a vítima é de natureza
secundária, uma vez que esta não tem o direito de punir. Mesmo quando, por
opção do legislador, proporciona-se-lhe o início da persecutio criminis, ela não
detém o ius puniendi, mas tão somente o ius accusationis, cujo exercício exaure-
-se com a sentença penal condenatória. Por conseguinte, o Estado, inclusive
nas ações de iniciativa privada, é o titular do ius puniendi, que tem, claramente,
caráter público 9 .
Uma das principais características do moderno direito penal é o seu
caráter fragmentário, no sentido de que representa a ultima ratio do sistema para
a proteção daqueles bens e interesses de maior importância para o indivíduo e a
sociedade à qual pertence, como alhures lembrado10
.
Todavia, atualmente, existe um significativo reconhecimento por parte da
doutrina de que, por meio do direito penal, o Estado tem o objetivo de produzir
efeitos tanto sobre aquele que delinque como sobre a sociedade que representa.
7 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, v. 1, 2015. p. 10.
8 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 11. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2015. p. 30.
9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 19. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2013. p. 59-60.
10 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. Luiz Flávio Gomes, Antonio
García-Pablos de Molina, Alice Bianchini. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2007. p. 82.
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Doutrina Nacional
Pode-se, nesse sentido, afirmar que o direito penal caracteriza-se pela sua
finalidade preventiva: antes de punir o infrator da ordem jurídico-penal,
procura motivá-lo para que dela não se afaste, estabelecendo normas proibitivas
e cominando as sanções respectivas, visando evitar a prática do crime11.
2 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO PENAL
É entendimento bem consolidado no Direito pátrio que o princípio da
proporcionalidade tem assento constitucional. Trata-se de garantia que, se não
encontra previsão explícita na Constituição Federal de 1988, está presente de
forma implícita em vários de seus dispositivos.
A propósito, Buechele 12 lembra que alguns Estados fizeram a opção
pela expressa previsão do princípio em comento, como Portugal e Alemanha;
todavia, assevera que, no ordenamento jurídico brasileiro, a previsão é implícita.
Conforme ensinamento de Suzana Barros de Toledo 13, a proporcionalidade
está disseminada em vários dispositivos da Constituição Federal, que buscam,
de uma forma ou outra, dar proteção aos direitos fundamentais, de maneira
que ela surge “a título de garantia especial, traduzida na exigência de que toda
a intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, de forma adequada e
na justa medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos
fundamentais concorrentes”.
Na mesma esteira, anota Paulo Bonavides 14 que o princípio da
proporcionalidade tem o fim de “acautelar do arbítrio do poder do cidadão e
toda a sociedade”, observando que ele é reconhecido como “implícito e, portanto,
positivado em nosso direito constitucional”, de maneira que o referido princípio
“é, por conseguinte, direito positivo em nosso ordenamento constitucional”
e “flui do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade o § 2º do
art. 5º, o qual abrange a parte não-escrita ou expressa dos direitos e garantias da
Constituição”.
11 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. Luiz Flávio Gomes, Antonio
García-Pablos de Molina, Alice Bianchini. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2007. p. 83.
12 BUECHELE, Paulo Armínio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 144.
13 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p. 89-90.
14 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 395.
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PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROteÇÃO...313
Pois bem, esse constitucional princípio da proporcionalidade também
tem relevância no direito penal pátrio. Ele é claramente encontrado, a título de
exemplo, nas disposições atinentes à individualização da pena, o que se dá a
partir da previsão contida no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal. Nesse viés,
com clara preocupação voltada à proporcionalidade, a parte final do art. 59 do
Código Penal prevê que a pena deve ser aplicada “conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime”, o que se aplica também na
determinação do regime inicial para o cumprimento da privação de liberdade,
em decorrência da remissão encontrada no art. 33, § 3º, também do Código Penal.
Em sua efetivação, também no direito penal faz-se necessário constatar
a presença dos requisitos exigidos, a saber, a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade estrita15
.
É, pois, mister que se verifique se há a adequação, buscando-se constatar
se, em determinada situação, a pretendida atuação do direito penal é instrumento
apto para a concretização da proteção do bem jurídico, com o olhar voltado à
retribuição para o fato e a indispensável prevenção geral e especial quanto ao
crime; a necessidade, isto é, o imperativo de se avaliar se a intervenção do direito
penal é indispensável no caso, ou se existe outro caminho para a solução do
problema, considerando-se que esse ramo do Direito tem caráter subsidiário
e fragmentário; e a proporcionalidade estrita, o que significa investigar se os
benefícios decorrentes da intervenção do direito penal são maiores e mais
relevantes que os custos sociais da escolha feita.
Esse raciocínio é indispensável porque, como obtempera Lenza 16,
o princípio da proporcionalidade é utilizado, “de ordinário, para aferir a
legitimidade das restrições de direitos – muito embora possa aplicar-se, também,
para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios”, e,
ainda, “consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente
das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida,
proibição de excesso, direito justo e valores afins”.
Destarte, fruto dessas observações, tem-se que, no âmbito criminal, a
observância da proporcionalidade em matéria penal não pode ser entendida
15 ÁVILA, Humberto B. Teoria dos princípios – Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 166.
16 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 75.
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Doutrina Nacional
apenas para se falar em proibição de excesso, mas também para a necessária
proibição da proteção deficiente da sociedade, como em seguida se verá.
3 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE
O princípio da proporcionalidade, implícito em sede constitucional, tem
como uma de suas vertentes, especialmente no âmbito penal, a proibição da
proteção deficiente ou insuficiente, segundo a qual o legislador e o juiz não
podem reprimir de forma deficitária agressões a direitos fundamentais e aos
sociais/coletivos.
Acerca do tema, Lenio Luiz Streck 17
, em artigo publicado na Revista da
Ajuris, já sustentava em março de 2005:
Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade
possui uma dupla face: de proteção positiva e de
proteção de omissões estatais. Ou seja, a incons-
titucionalidade pode ser decorrente de excesso do
Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado,
resultando desproporcional o resultado do sope-
samento (Abwägung) entre fins e meios; de outro,
a inconstitucionalidade pode advir de proteção
insuficiente de um direito fundamental social, como
ocorre quando o Estado abre mão do uso de deter-
minadas sanções penais ou administrativas para
proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés
do princípio da proporcionalidade decorre da necessária
vinculação de todos os atos estatais à materialidade da
Constituição, e que tem como consequência a sensível
diminuição da discricionariedade (liberdade de
conformação) do legislador.
O princípio da proibição da proteção deficiente surge das ideias difundidas
após a implementação do Estado Social, em contraposição às ideias e princípios
17 STRECK, Lenio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso
(Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem
contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, a. XXXII, n. 97, p. 180, mar. 2005.
Revista da AJURIS – Porto Alegre, v. 46, n. 147, Dezembro, 2019
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROteÇÃO...315
dominantes no seu antecessor Estado Liberal, decorrendo de uma leitura pós-
-positivista da Constituição Federal18
.
Destarte, a par da noção de que os direitos fundamentais deveriam proteger
tão somente o homem dos ataques do Estado, com o redimensionamento das
funções deste e as novas tarefas por ele assumidas, mormente na garantia de
condições materiais essenciais à população e do advento de novos direitos
fundamentais de caráter prestacional, tem-se que o Estado, ao verticalizar um
direito fundamental, deve não somente se abster de violá-lo, como também
protegê-lo da ameaça de ataques de terceiros.
É nesse diapasão que se extrai o princípio da proibição da proteção
deficiente, conduzindo à análise de eventual inconstitucionalidade na omissão
estatal em proteger determinado direito, ou mesmo em decorrência da
insuficiente medida de proteção adotada, passíveis, portanto, de correção.
Também é tratado como princípio da proibição da proteção deficiente
o desrespeito no cumprimento do dever de proteção do Estado em relação
aos direitos fundamentais, haja vista caber ao Poder Público adotar medidas
suficientes de natureza normativa e de natureza material, possibilitando uma
proteção eficiente e adequada dos direitos fundamentais.
Na jurisprudência, tem-se vários acórdãos que abordam o princípio da
proibição da proteção deficiente, em caminhos antagônicos.
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a título de exemplo, por
ocasião do julgamento da Apelação Criminal nº 70075356360, da 4ª Câmara
Criminal, relator o Desembargador Julio Cesar Finger (julgado de 22.02.2018),
entendeu-se que a criminalização do porte ilegal de arma de fogo e de munição
está em conformidade com a Constituição Federal, posto que a tipificação das
condutas, mesmo quando presente somente o denominado perigo abstrato, é
corolário do dever de proteção aos direitos fundamentais, em sua perspectiva
objetiva, observando-se o princípio da proibição da proteção insuficiente19 .
18 MACÊDO, Fabrício Meira. O princípio da proibição da proteção insuficiência do Supremo Tribunal
Federal. RIDB, a. 3, 2014, n. 9, 7029-7072. <http://www.idb-fdul.com/>. ISSN: 2182-7567.
19 “Apelações criminais. Porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida. Art. 16, parágrafo
único, IV, da Lei nº 10.826/2003. Porte ilegal de munição de uso permitido. Art. 14 da Lei
nº 10.826/2003. Provas da materialidade e da autoria. Crime de perigo abstrato. Direito à proteção
à vida. Rejeição. Condenações mantidas. Súmula nº 231 do STJ. Isenção da multa. Descabimento.
1. O porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida e o porte ilegal de munição são
crimes de perigo abstrato e de mera conduta, mostrando-se prescindível a demonstração de perigo
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Doutrina Nacional
Também o Tribunal de Justiça de São Paulo 20
, adotando o princípio em
comento, é firme no entendimento de que o réu merece tratamento mais duro
– regime inicial fechado pela prática de furto simples – quando, ao reincidir,
demonstra não ter se conscientizado da gravidade de suas condutas, por meio das
penas anteriormente aplicadas, e volta a delinquir, revelando não ter absorvido
a finalidade de ressocialização para a convivência social harmônica na vida em
comunidade, sem novas práticas que lesionem bens jurídicos alheios.
Tal fato, no entender da Corte e à luz da proibição da proteção deficiente,
demanda maior rigor no tocante à aplicação da lei penal, devendo o Estado-
-juiz dar resposta adequada e proporcional à sociedade, que é assolada
persistentemente com os altos índices de criminalidade.
Em sentido oposto, entendeu o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul 21 que não se configurou violação ao princípio em análise o fato de o
concreto. Precedentes. Na esteira do entendimento dos Tribunais, em especial o Supremo Tribunal
Federal, não são inconstitucionais os crimes de perigo abstrato, a exemplo daqueles previstos na Lei
nº 10.826/2003, que teve sua constitucionalidade assentada na ADIn 3.112/DF. 2. Não houve
dúvida de que a arma de fogo com numeração raspada apreendida estava na posse do acusado
P.H.G.S., assim como que o réu R.P.S. Portava munições de uso permitido, levando-se em conta o
relato fidedigno apresentado pelos policiais que participaram da prisão. Não há por que duvidar da
versão apresentada por eles, que, em todas as oportunidades em que foram ouvidos, narraram com
verossimilhança a ocorrência dos fatos, não deixando dúvida a respeito da prática dos crimes. 3. Sem
razão a alegação de violação ao direito a proteção à vida, insculpido no art. 5º, caput, da Constituição
Federal de 1988. Possibilidade de criminalização que é corolário de um dever de proteção aos direitos
fundamentais como decorrência da perspectiva objetiva desses direitos de estatura constitucional, da
qual também decorre a máxima da proporcionalidade como proibição de insuficiência. Para tanto,
reconhece-se uma ampla discricionariedade do legislador para eleger e criminalizar condutas que
causem perigo a bens jurídicos protegidos pelo ordenamento. Condenações mantidas. 4. Por conta
do entendimento da Súmula nº 231 do STJ, fica impossibilitado o estabelecimento da pena provisória
aquém do mínimo legal, ainda que reconhecida a atenuante da confissão espontânea. 5. A multa é
preceito secundário do tipo pelo qual o réu foi condenado, não havendo previsão legal para a isenção
do pagamento. Apelações não providas.” (TJRS, ACr 70075356360, 4ª C.Crim., Rel. Des. Julio Cesar
Finger, J. 22.02.2018)
20 “Apelação. Furto simples. Condenação. Recurso da defesa. Pedido de fixação do regime inicial
aberto e, subsidiariamente, do semiaberto. Não acolhimento. Manutenção do regime inicial fechado.
Reincidência. Princípio da proporcionalidade e proibição da proteção deficiente ou insuficiente.
Previsão expressa do Código Penal acerca do regime inicial fechado para reincidentes (art. 33, § 2º, b e
c). Recurso não provido.” (Apelação Criminal nº 1500248-57.2019.8.26.0540)
21 “Apelação crime. Roubo majorado pelo concurso de agentes com utilização de uma faca. Fato
ocorrido em janeiro de 2001. Preliminar suscitada pela Procuradoria de Justiça de instauração de
incidente de inconstitucionalidade. Conforme manifestação deste Colegiado em voto da relatoria da
eminente Desembargadora Cristina Pereira Gonzales, por ocasião do julgamento da Apelação Crime
nº 70079767208, não há de se falar em inconstitucionalidade formal da Lei nº 13.654/2018, haja vista
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PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROteÇÃO...317
legislador pátrio, por meio da Lei nº 13.654/2018, ter revogado o inciso I do
§ 2º do art. 157 do Código Penal, de maneira que não há, neste aspecto, qualquer
inconstitucionalidade da lei por violação do princípio da proporcionalidade em
sua vertente da proibição da proteção deficiente.
Cabe salientar que o dever de proteção impõe ao Estado uma presença
mínima de proteção jurídica constitucionalmente exigida, não sendo possível
descer abaixo desse liminar.
Conclama a Constituição o direito à vida, por exemplo, devendo o Estado
abster-se de atentar contra a vida dos particulares, bem como de não colocá-los
em risco, em qualquer circunstância.
Todavia, mister que o Estado adote as medidas necessárias à proteção dos
particulares, de modo a evitar que tenham o direito à vida ceifado por ataques
de terceiros.
Assevera Vieira de Andrade 22 que a dimensão objetiva dos direitos
fundamentais está ligada à eficácia irradiante das normas constitucionais que
os preveem.
Existiria, dessa maneira, um efeito externo dos direitos fundamentais,
do qual resultaria uma espécie de força vinculativa generalizada dos preceitos
respectivos, ou por meio de ações estatais efetivas, por meio da Administração,
ou por meio de espécies de comandos de normatização.
que foi observado o regular processo legislativo, tratando-se o vício apontado pelo órgão ministerial
de mera irregularidade decorrente de erro material, que foi devidamente sanado. Igualmente inexiste
inconstitucionalidade material, pois não houve a descriminalização do roubo com o emprego de arma
branca ou imprópria, não havendo falar em violação ao princípio da proibição da proteção deficiente.
Preliminar rejeitada. Absolvição. Insuficiência probatória. Confissão na fase inquisitorial. Confissão
prestada perante autoridade policial e não confirmada em juízo no espaço público estatal não pode
dar suporte à condenação. Da mesma forma, o réu não foi reconhecido em Juízo. Ausente prova
extreme de dúvida acerca da autoria, cabe a absolvição do réu, por insuficiência probatória, sendo
irrelevante, para fins de condenação, o depoimento prestado perante a autoridade policial quando
não ratificado em Juízo Incidência do princípio in dubio pro reo. Aplicação do art. 386, VII, do Código
de Processo Penal. Absolvição mantida. Recurso ministerial improvido.” (TJRS, Apelação Crime
nº 70083516203, CNJ 0323529-04.2019.8.21.7000, 5ª Câmara Criminal, Relª Desª Maria de Lourdes Galvão
Braccini de Gonzalez, J. 06.05.2020. No mesmo sentido: TJRS, Apelação Criminal nº 70081233140, CNJ
0095223-09.2019.8.21.7000, 5ª Câmara Criminal, Relª Desª Cristina Pereira Gonzales, J. 22.04.2020)
22 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 4. ed.
Coimbra: Almedina, 2009. p. 293 e ss.
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Doutrina Nacional
Os deveres de proteção, contudo, ainda que vinculem todos os poderes
do Estado, devem ser enunciados por meio de leis, reservando-se, ao Judiciário,
portanto, a devida aplicação.
Quando há a violação do princípio da proibição da proteção deficiente,
não atingindo, o Estado, um padrão mínimo de garantia, ainda que houvesse
condições de proporcioná-la, torna-se possível deduzir uma pretensão em juízo,
posto que se estará diante de uma inconstitucionalidade por omissão.
Consoante a posição de Jorge Reis Novais 23, mesmo quando estão
em causa valores máximos como o direito à vida, à integridade física ou à
segurança pessoal, situações nas quais a necessidade de proteção pode ser mais
premente, a decisão sobre a melhor via de proteção não é neutra, nem tampouco
independente da concepção que se perfilhe sobre as relações sociais, pré-
-compreensões disputadas no terreno da luta política e eleitoral democráticas,
ou, no mínimo, para avaliações políticas muito diversas da mesma situação
conjuntural que requer a proteção do Estado. Assim, o Poder Judiciário, apesar
de estar obrigado a controlar a observância do dever estatal de proteção dos
direitos fundamentais, não é a instância mais adequada, em Estado de Direito
Democrático, para a referida discussão.
Portanto, os órgãos políticos têm, neste domínio, uma competência
própria que lhes advém da legitimidade de escolha popular democrática, feita
para a tomada de decisões políticas deste tipo. Cuida-se, indubitavelmente, de
um problema de separação de poderes.
O Estado, forçoso observar, tendo em vista as liberdades asseguradas
aos cidadãos, não pode restringir excessivamente os direitos fundamentais,
nem tampouco, verificando conflito entre particulares, deixar de proteger
adequadamente direito de cidadão atingido por terceiro.
Na seara penal, o princípio da proibição da proteção deficiente estabelece
meios adequados para a proteção de bens jurídicos. Assim, é possível saber se
é razoável a mobilização da máquina penal para proteger determinado bem
jurídico, ou seja, se é razoável invadir a esfera de liberdade individual em prol
dessa proteção, bem como se, por outro lado, é razoável deixar de proteger.
23 NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da República portuguesa. Coimbra:
Coimbra, 2004. p. 297.
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PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROteÇÃO...319
A propósito dessa necessária razoabilidade, Toledo 24 lembra que o
princípio da proporcionalidade deve ser aplicado nessa área do Direito, uma
vez que “não há direitos absolutos e o próprio direito penal não deve entrar
em rota de colisão com valores éticos fundamentais”. O saudoso Ministro do
Superior Tribunal de Justiça aduz, ao abordar a excludente da legítima defesa:
Seria enorme incongruência acolherem-se princípios
como o da “insignificância” e o da “adequação social” para
excluir o crime, e, ao mesmo tempo, deixar de acolher
princípios análogos, como o da proporcionalidade, para
impedir que se matem seres humanos por ninharias em
nome de uma “lógica” que nada tem de “humana” ou
sequer de “razoável”.
Todavia, é se registrar, em relação à proporcionalidade e razoabilidade,
que há de se suscitar exceção, diante da redução da discricionariedade a
zero. Exemplo disso tem-se no caso de comandos de normatização, como a
insuscetibilidade de graça ou anistia para as práticas dos crimes de tortura,
tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo e os definidos como crimes hediondos,
por força do disposto no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal.
Nesse caso, o texto constitucional determina a edição de lei com o escopo
de tornar insuscetíveis de graça ou anistia os crimes que indica, subtraindo do
legislador ordinário a discricionariedade acerca da matéria, ou mesmo decisão
política.
Igualmente, há a redução da discricionariedade quando determina,
a Constituição Federal, a punição a qualquer discriminação atentatória dos
direitos e garantias fundamentais.
Ao Poder Público cabe, por conseguinte, dentre as medidas a serem ado-
tadas para a proteção ao direito, em não havendo redução da discricionariedade
a zero, adotar uma delas, só havendo que se falar em proteção insuficiente
quando, diante da omissão do Poder Público, o direito é afetado por atuação
ilegal de terceiro, de maneira substancial.
É que, em geral, a Constituição Federal, embora imponha deveres de
proteção, não indica o modo pelo qual a referida proteção deve ser concretizada,
de maneira que, havendo inúmeras formas pelas quais se mostraria possível a
24 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 203.
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Doutrina Nacional
proteção, importa à Administração escolher qual das medidas será adotada, não
se tornando obrigatória qualquer delas.
Como critério inicial ou mínimo de verificação da insuficiência, aponta
Jorge Silva Sampaio25 para o princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, haveria proteção deficiente e, portanto, omissão inconstitucional
do Estado sempre que o titular do direito fundamental protegido viesse a ser
atingido em sua dignidade.
Além do referido critério, Jorge Silva Sampaio indica a garantia do
conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
É que, consoante já referido, só há que se falar em proteção insuficiente
quando, diante da omissão do Poder Público, o direito a ser protegido é, por
atuação ilegal de terceiro, afetado em seu núcleo essencial.
Ademais, admite-se a existência de proteção insuficiente, ainda que não
atingido o direito fundamental em seu núcleo essencial, nem tampouco o titular
do direito em sua dignidade, sendo, contudo, de mais árida verificação.
Quanto mais próximos estiverem, os direitos a serem protegidos,
da dignidade da pessoa humana, ou mesmo de núcleo essencial de direito
fundamental, mormente se estiver relacionado à liberdade, maior será a
gravidade da desproteção.
Tal ponderação há de se realizar em conjunto, não em fases estanques,
com o escopo máximo de aferir, no caso concreto, a existência ou não de déficit
vedado de proteção ao direito.
Contudo, há de se admitir que tais ponderações, sobretudo quando se
está diante de comandos de normatização, devem ser efetivadas pelo Poder
Legislativo, por ser este o órgão constitucionalmente responsável pela edição
de leis.
A judicialização dos referidos conflitos mostra-se sobremaneira dificultosa,
sobretudo quando há lei editada, devendo, pois, o Poder Judiciário permanecer
adstrito à vontade expressa pelo Parlamento por meio do comando normativo.
A atuação judicial, dessa forma, deverá restringir-se às violações ao
princípio da proibição da proteção deficiente mais grosseiras, não obstante se
25 SAMPAIO, Jorge Silva. O dever de proteção policial de direitos, liberdades e garantias. 1. ed. Coimbra:
Coimbra, 2012. p. 151.
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PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROteÇÃO...321
reconheça que a objetivação dos direitos fundamentais impõe a sua proteção
total e efetiva.
Ademais, não se pode afastar a adoção do princípio em estudo em razão
do denominado “garantismo penal”, de Ferrajoli26 .
Quando prefaciou a obra Direito e razão, Norberto Bobbio asseverou que a
teoria elaborada por Ferrajoli é contrária ao denominado direito penal máximo
e antiliberal, que propicia o abuso do direito de punir do Estado, mas também
repudia a insuficiência das posturas doutrinárias abolicionistas, que levam à
liberdade selvagem27
.
De fato, ao fazer a análise a respeito das doutrinas abolicionistas, Luigi
Ferrajoli obtempera que elas expressam um modelo inadequado e utópico,
próprio de uma sociedade selvagem, sem regras e destituído da necessária
ordem, o que propiciaria o retorno à chamada lei natural do mais forte28 .
Desse modo, nota-se que, no Brasil, a teoria do garantismo penal foi
compreendida de forma incompleta, sem a abordagem de todas as intenções do
pensador italiano quando do desenvolvimento de sua teoria29 .
Percebe-se, pois, que Ferrajoli opõe-se tanto ao modelo de Estado
autoritário e policialesco, próprio da exceção e violador da carta de direitos
fundamentais, como igualmente ao modelo de Estado anárquico, sem as regras
coercitivas necessárias à boa convivência de todos, para o que é imprescindível
o denominado “direito penal mínimo”, norteado por regramentos razoáveis na
tipificação de condutas e na previsão da correspondente sanção penal.
Destarte, constata-se, claramente, que o garantismo penal, como idealizado
por Ferrajoli, não se presta a fomentar a impunidade do agente criminoso, pouco
importando o grau de censurabilidade da infração penal praticada.
26 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
27 BOBBIO, Norberto. In: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 8. Prefácio.
28 Op. cit., p. 203.
29 CORDEIRO, Gustavo Henrique de Andrade. O garantismo penal integral como instrumento de
proteção suficiente aos direitos fundamentais individuais e coletivos. Dissertação. Programa de
Mestrado em Direito, Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha” – UNIVEM, Marília, 2016.
p. 82.
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Doutrina Nacional
O pensamento de Ferrajoli, ao reconhecer a importância dos direitos
fundamentais sociais, vem sendo enfatizado pela doutrina internacional, como
se vê, a título de exemplo, em José Luiz Martí Marmol30.
Ainda nesta mesma seara, Bobbio, no prefácio da obraDireito e razão, deixa
bem evidente que, consoante o posicionamento de Ferrajoli, o garantismo não se
destina exclusivamente aos direitos e interesses individuais, mas igualmente à
tutela dos direitos sociais31
.
E mais: a própria interpretação dada por Luigi Ferrajoli demonstra que
há a necessidade de serem garantidos os direitos fundamentais, inserindo-
-se a liberdade, até os chamados direitos sociais, que têm suas estipulações
introduzidas na mesma estrutura do princípio da legalidade do Estado
Constitucional de Direito. Em outras palavras, o modelo de garantismo por
ele proposto busca estabelecer um modelo ideal de Estado de Direito, assim
entendido não apenas como estado liberal protetor dos direitos de liberdade,
mas igualmente como estado social, conclamado a proteger também os direitos
sociais32.
E, pouco mais adiante, na mesma obra, Ferrajoli aduz que os direitos
de liberdade correspondem a garantias negativas consistentes em limites
de proibições de fazer, e aos direitos sociais “corresponden garantías positivas
consistentes en obligaciones de prestaciones individuales o sociales”, de maneira
que, em todos os casos de elaboração das garantias, o estabelecimento dos
mecanismos institucionais voltados a assegurar a máxima correspondência entre
normatividade e efetividade na tutela ou na satisfação dos direitos “constituye
la tarea más importante y difícil tanto de una teoría como de una política garantista del
derecho”. Compreende-se, pois, que o garantismo não tem relação com o mero
legalismo, formalismo ou processualismo, mas sim consiste na tutela dos direitos
fundamentais, “los cuales – de la vida a la libertad personal, de las libertades civiles
30 MARMOL, José Luiz Martí. El fundamentalismo de Luigi Ferrajoli: um análisis crítico de su teoria de
los derechos fundamentales. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estúdios sobre
el pensamento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Trotta, 2005. p. 384: “El paradigma constitucional
incluye asimismo, según Ferrajoli, los seguientes grupos de derechos fundamentales: derechos políticos (o de
autonomia pública), derechos civiles (o de autonomia privada), derechos liberales (o de libertad) y derechos
sociales”.
31 BOBBIO, Norberto. In: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 8. Prefácio.
32 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón – Teoria del garantismo penal. Madrid: Editorial Trotta, 1999. p. 12
e 16.
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y políticas a las expectativas sociales de subsistencia, de los derechos individuales a los
colectivos – representan los valores, los bienes y los intereses, materiales y prepolíticos”,
sendo esses os valores que fundamentam e justificam “la existencia de aquellos
‘artificios’ – como los llamó Hobbes – que son el derecho y el estado, cuyo disfrute por
parte de todos constituye la base sustancial de la democracia” 33.
Portanto, uma boa exegese do garantismo penal leva à compreensão da
necessidade de o Estado dar proteção suficiente aos direitos sociais e coletivos,
ao lado da tutela dos interesses e direitos fundamentais individuais.
A propósito, Ferrajoli, aprofundando a sua teoria do garantismo penal,
asseverou que existe, contemporaneamente, uma nova criminalidade, “de la cual
provienen las ofensas más graves a los derechos fundamentales: la criminalidade del
poder”. Portanto, tem-se que, consoante a posição do professor italiano, o Estado
deve preocupar-se de forma especial também com as infrações cometidas
pelos “cavalheiros”, isto é, os crimes de corrupção, fraude fiscal e lavagem do
dinheiro 34.
Destarte, consoante se extrai do pensamento de Ferrajoli, o Estado tem o
dever de garantir, ao lado dos direitos fundamentais individuais, os direitos que
se ligam à defesa da sociedade, isto é, a adequada proteção contra os praticantes
de crimes que a atingem.
A confirmar essa posição do professor italiano, em data posterior, no
dia 16 de outubro de 2013, como noticia Douglas Fischer, numa palestra
ministrada no Ministério da Justiça, em Brasília, ao ser questionado a respeito
da compatibilização entre sua teoria do garantismo penal com a necessidade de
punição dos agentes públicos pelos crimes praticados durante o regime militar,
Ferrajoli respondeu que, em sua visão garantista, óbices de natureza temporal,
como a prescrição, não poderiam ser opostos diante da obrigação positiva do
Estado de agir no sentido de punir eficazmente os autores destes delitos35.
Em suma, no próprio garantismo penal encontra-se fundamento para o
princípio da proibição da proteção deficiente ou insuficiente da sociedade, seja
33 Idem, p. 28-29.
34 FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Edición de Miguel Carbonell. Madrid: Trota, 2008. p. 250
e 254.
35 FISCHER, Douglas. O que é garantismo (penal) integral? In: CALABRICH, Bruno; FICHER, Douglas;
PELELLA, Eduardo (Org.). Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade
moderna e aplicação do modelo garantista no Brasil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017. p. 63.
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Doutrina Nacional
no tocante à necessária criminalização de conduta que a atingem, seja quanto à
razoabilidade da reprimenda a ser imposta ao criminoso.
CONCLUSÃO
Os direitos humanos e fundamentais, entre eles os direitos e garantias
individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem
ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas,
tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabi-
lidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao
desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição
Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos
demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna.
Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou
garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância
prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos
em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando
uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca
do verdadeiro significado da norma e da harmonia do Texto Constitucional com
sua finalidade precípua.
Nesse sentido, o presente trabalho buscou alcançar o ponto nevrálgico da
violação do princípio da proibição da proteção deficiente.
Sob o amparo da Lei Maior, existe uma forte barreira impositiva de limites
ao legislador. Por corolário, a lei penal que não protege um bem jurídico é
ineficaz, por se tratar de intervenção excessiva na vida dos indivíduos em geral.
Conforme exposto, o Estado tem o dever de agir na proteção de bens
jurídicos de índole constitucional. Para tanto, deverá respeitar o princípio da
proporcionalidade. Ocorrerá violação ao princípio aludido não apenas quando
houver excesso na ação estatal, mas também quando a proteção ao bem jurídico
constitucionalmente previsto ocorrer de forma manifestamente deficiente. Isto
porque a proporcionalidade é composta de duplo viés: a proteção positiva
(proibição de excesso estatal) e a proteção em face de omissões (proibição da
atuação estatal deficiente).
Assim sendo, a inconstitucionalidade poderá decorrer tanto do
descomedimento estatal de maneira excessiva, situação em que determinado
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ato é desarrazoado, acarretando evidente desproporção entre fins e meios, como
também derivar de proteção insuficiente a um direito, especialmente quando o
Estado desconsidera o uso de determinadas sanções penais ou administrativas
para proteger bens jurídicos específicos.
Comumente a violação da proibição da insuficiência encontra-se
representada por uma omissão do Poder Público, no que concerne ao
cumprimento de um imperativo constitucional. Na medida em que o Estado
se omite do seu dever na proteção de direitos fundamentais, ou não o faz de
forma adequada e eficaz, seu ato estará eivado de inconstitucionalidade.
A proibição da proteção deficiente constitui não só uma técnica a ser
aplicada pelo julgador, mas um limite de valoração para o legislador, uma vez
que ele fica restrito a elaborar uma norma que seja suficientemente adequada e
eficaz para garantir a proteção mínima exigida pela Constituição. Portanto, se
não houver proteção normativa ao direito fundamental, no que diz respeito a
sua dimensão objetiva – de imperativo de tutela –, verificar-se-á um ato estatal
de notória inconstitucionalidade, que impedirá o gozo do direito fundamental
pelo seu titular.
Assim, até mesmo o legislador deve respeitar esse principio, pois não
existe liberdade absoluta de conformação legislativa, na medida em que seus
atos também devem ser pautados pelas diretrizes constitucionais.
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Fonte: Revista da AJURIS – Porto Alegre, v. 46, n. 147, Dezembro, 2019